quinta-feira, julho 26, 2007

O valor da vida

Acordei hoje (quarta-feira) com muita vontade de tornar-me uma pessoa melhor. Sempre que tal sensação me possui (o que tem sido mais freqüente nestes últimos anos), sinto um pendor enorme de atirar-me sobre os textos de Gustavo Corção. Não sei se os leitores o conhecem (creio que não, pelo fato de ele ter sido marginalizado pelas editoras por ser católico). Bem, se não o conhecem, fica aqui o convite: leiam Gustavo Corção! Existem sites que disponibilizam vários de seus textos (e para quem mora em São Carlos, também existem livros seus na biblioteca Municipal e da UFSCar).
Mas voltando à minha quarta-feira...Logo pela manhã reli um de seus mais belos textos (na verdade a transcrição de uma conferência ministrada na Policlínica do Rio de Janeiro) chamado O valor da vida. “Não há vidas inúteis...” é essa a forma pela qual ele começa a palestra. E o que isso significa? Significa que a vida tem um valor absoluto, que vale a pena lutar por ela, que vale a pena curar e que vale a pena curar-se (achei isso ótimo); não importa a enfermidade, não importa o grau de desespero, de desengano, de miséria...Vale a pena lutar pela vida, pela sua melhora, pela sua sanidade já que o homem –diz Corção – é um animal que faz questão de ser decente.
Mas em que consiste o “absoluto” da vida? Onde está esse mistério? Está na “pessoa humana”, esclarece Corção; é ela a raiz do absolutismo da vida; ela é a realidade da existência de cada um de nós, únicos e insubstituíveis em todo nosso ser. Tal realidade é muitas vezes esquecida e encoberta por um outro tipo de valorização: a valorização do efêmero, do passageiro, do quantitativo. Na maioria das vezes, não vemos a pessoa, vemos os números, vemos o empresário, o médico, o presidente, o prefeito, o general, o mendigo, o operário...A frase “Não há vidas inúteis...” tem sentido verdadeiro somente se enxergarmos a vida como uma realidade prodigiosa e a pessoa humana como fonte de amor. Assim como Corção, não estou aqui apelando para o sentimentalismo, mas sim para o realidade da existência desse ser que é a “pessoa” e desse sentimento que é o “amor”. Querem ver uma exemplificação simples de como um indivíduo torna-se uma pessoa? Atentem à fala de Gustavo Corção:
“Vemos passar na rua um regimento. Os soldados são todos iguais.(...) O soldado, até pouco tempo atrás, era o mais despersonalizado, o mais numerado dos homens.(..) Cada um é uma unidade quantitativa, de fácil substituição. Na guerra morrem aos milhões. O boletim militar menciona essas perdas, exprimindo-as com cifras.(...) Quando porém o boletim de guerra é afixado nas paredes de burgo, com os nomes de vítimas, há uma velha camponesa que sente a vista escurecer, e tudo em torno oscilar, vendo um nome, um só nome, um só entre tantos, pular com uma flecha da lista para o coração.”
Pronto! Um indivíduo (alguém qualquer) tornou-se uma pessoa (alguém amado). Percebi que hoje (época de intensa comunicação) vivemos num tempo em que há um “paroxismo de quantificação”: x morreram no Iraque, y na guerra do tráfico no Rio de Janeiro, z na enchente ocorrida na China, 120 milhões nos regimes comunistas da Rússia e da China, 7 milhões nos campos nazistas... Quase duzentos no vôo 3054 da TAM.
Comovido após ler o texto de Corção, fui buscar na internet informações para escrever essa crônica. Na busca, achei a lista das vítimas do terrível desastre e comecei a lê-la. De repente, comecei a chorar, literalmente a chorar: indivíduos - através de fotos e relatos - tinham se transformado em pessoas.

quarta-feira, julho 11, 2007

Minhas obsessões

Nelson Rodrigues dizia que o homem é o conjunto de suas obsessões. E como gosto de parar e pensar em frases que por algum motivo me chamam a atenção parei e pensei nas coisas pelas quais sou obcecado. Este foi - devo reconhecer - um exercício interessantíssimo, porque de fato este é um caminho para se entender minimamente a pessoa na qual nos tornamos.
Muito bem. Agora chegou a hora, pois, de revelar o tipo de ser humano – ou melhor dizendo, de obcecado - que me tornei nestes vinte e tantos anos de vida. Sou obcecado por...frases. Mas não por qualquer frase, como já disse acima; a frase tem que cutucar, tem que remexer, tem que fuçar em algo dentro da minha existência. A frase, na verdade, é um mero comboio de palavras que, juntas, nos trazem um carregamento de idéias, de possíveis verdades, de elucidações a respeito do que ocorre em nossas vidas.
Sinto-me fisicamente bem quando leio ou escuto uma dessas tais frases. Mas não encarem essa obsessão como uma vã erudição. Não é nada disso. As utilizo de forma clínica, tópica, até mesmo de forma preventiva, depois de examinar as atitudes que tive. Exemplificarei.
Quando relembro momentos em que, discutindo algo, falei alguma grande besteira, uma daquelas barbaridades de pesar a consciência, penso em um ditado chinês que diz: “Temos dois ouvidos e uma boca, devemos usá-los nessa proporção.”.
Vejam vocês o peso da verdade carregada nesta frase. Nós falamos demais a respeito de coisas que conhecemos de menos. O Mundo, a existência, a humanidade são tão mais vastos que nós e nós, sentados no trono de nossas existências falamos pelos cotovelos a respeito de tudo e de todos. Na vida, realmente temos que aprender a mais aprender do que ensinar.
Aí vai outro exemplo: sabem naqueles dias em que tudo parece sem graça, sem sal, sem sabor; aqueles em que o mundo parece acinzentado, chocho; aqueles em que andamos sem rumo, sem norte; aqueles em que temos vontade de dar uma banana pra tudo e pra todos, voltar pra cama, se enfiar em baixo da coberta, torcendo para que aquela sensação passe logo? Pois bem, quando essa sensação me invade, saco logo da minha farmácia de frases e recito em voz alta meu querido Nelson Rodrigues: “Nada no mundo é intranscendente.”.
Ora, o que eu entendo com essa frase é o seguinte: “Meu filho, levanta-te e anda! Vai olhar pro mundo, pros teus semelhantes, pros teus próximos, pros cães vadios na rua, pros ônibus passando, pras missas sendo rezadas, pros cultos sendo feitos, pros velórios, pros hospitais, pros casais nas ruas, pros solteiros de cabeça baixa, pros casamentos sendo realizados, pros jardins públicos ainda bem cuidados, pras casas e prédios escondendo segredos...! Vai! Vai que de chocho, seu bocó, o mundo não tem nada!”.
E há ainda, para terminar, uma das frases que eu mais gosto. Ela está na Bíblia, no livro Romanos 3:10 e me ajuda a nos entender, a entender nossa conturbada História e a enxergar a necessidade dos que são santos : “Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer.”.