segunda-feira, janeiro 26, 2009

Sociologia e política do churrasco

No último sábado participei de um churrasco, e nele pude perceber que uma comemoração pode transformar-se rapidamente em um processo de decadência.
Em cerca de quatro ou cinco horas, pessoas que amistosamente teciam comentários sobre o calor, o frio, a chuva, o preço dos automóveis, as rodadas futebolísticas, o final das novelas e minisséries, tornaram-se brutos, violentos, prontos a desferir uma patada no primeiro a cruzar-lhe o caminho no reduzido espaço de disputa que é uma mesa de truco.
Pude perceber a súbita involução de pessoas educadas, ocupantes de cargos de certo prestígio e poder. Tal involução assemelha-se a um processo de desumanização que redunda em intolerância, perseguição, difamação e violência.
Como em toda sociedade, num churrasco ocorre a formação de grupos distintos; No churrasco a distinção leva a uma segregação inicialmente respeitável, e os critérios de separação são variados. As pessoas separam-se de acordo com o gênero, com a intimidade, com a identidade temática da conversa e por aí vai... O motivo exato da segregação não é o mais importante. O que importa é: as pessoas se separam.
A separação, no entanto, ocorre dentro do mesmo evento: o churrasco. Portanto há, além da segregação, um laço que une a todos. E é justamente esse o laço o caminho que leva ao conflito. O caminho, não o motivo.
O motivo sempre é complexo; sempre é uma somatória de fatores de ordem psicológica, histórica, contextual, física, química...Em um churrasco as pessoas se embebedam. E após quatro ou cinco horas seus reflexos, seus raciocínios, suas falas, suas percepções estão consideravelmente afetadas. Somam-se a isso personalidades inflamáveis, orgulhosas e extrovertidas, além de um contexto de disputa (como o é o jogo de truco) e indivíduos com pouca intimidade (embora com interesses momentâneos em comum), e a situação bélica está montada. Falta apenas o estopim, a gota d’água, a primeira peça do dominó a cair para que o tênue encadeamento de uma sociedade (o churrasco) se desfaça. Tal episódio pode ocorrer ou não. No sábado passado, ele existiu.
Começada a confusão, o surgimento de líderes, forças e manifestantes pacifistas é quase inevitável. Afinal nem todos estão embriagados e envolvidos na disputa em questão. O que não significa que estejam livres de interesses. Ao contrário, o interesse que defendem é o bem-estar dos participantes do jogo.
Mas aí surge outro problema, pois o interesse dos participantes do jogo de truco era derrota e a humilhação (no caso, com ou sem baralho) dos adversários. E é nisto que consiste o seu bem-estar. Para os líderes e manifestantes pacifistas, ao contrário, o bem-estar resume-se à manutenção física dos jogadores e do ambiente em que se realiza o churrasco.
Temos, então, uma nova disputa: os jogadores contra os líderes e manifestantes pacifistas (geralmente as namoradas e esposas). Começa, então, um novo foco de contenda.
Diante daquela mixórdia, daquele fuzuê, daquele pega-pra-capar, e das dificuldades em se estabelecer um cessar-fogo e um acordo de paz em um churrasco de sábado, não pude conter um leve sorriso provocado pela percepção da tragicomédia humana.
Não pude também evitar de pensar nas sempre fáceis, sempre rápidas e sempre indolores soluções propostas pelos analistas, jornalistas e opinólogos para o conflito no Oriente Médio. E não sei porquê lembrei de um ditado que sabiamente diz: o papel aceita tudo.