sexta-feira, março 07, 2008

A metanóia de Eric Clapton

Lembro-me da primeira vez que o vi. Creio eu que já faz quinze anos. Estava ele sentado em um banco, com um violão apoiado em uma das pernas e tinha uma banda às suas costas; estava bem vestido, levava o cabelo um pouco comprido e usava óculos de armação grande. Cantava uma música melódica chamada Tears in Heaven e um tempo depois de ouvi-la fiquei sabendo que ela fora escrita como homenagem a seu filho que morrera ao despencar de um edifício.
Com esses dados formei a seguinte imagem de Eric Clapton: cantor elegante que possui uma voz suave, canta músicas melódicas e que teve uma experiência trágica. Este foi durante muitos anos o – digamos assim – meu Eric Clapton. Ao longo dos anos fiquei sabendo que ele é considerado um dos grandes guitarristas do rock, ao ponto de picharem nos muros de Londres “Clapton is God”. Confesso que saber disso contribuiu para o início do desmanche do “meu Clapton”, afinal nem passava pela minha cabeça que aquela figura plácida cantando Tear in Heaven fosse um ídolo, um ícone da geração sexo, drogas e rock in roll. Hoje, após ler alguns trechos da sua autobiografia, concluo duas coisas intrinsecamente ligadas: a) a primeira impressão é a que fica...somente para pessoas que ficam com a primeira impressão, e b) Nelson Rodrigues tinha razão ao dizer que toda pessoa é uma janela aberta para o infinito.
Toda impressão inicial que assimilei de Eric Clapton foi sendo lentamente reajustada às novas informações que adquiri com o passar do tempo, e a imagem de homem bonzinho e inofensivo foi completamente desmistificada. Clapton foi viciado em heroína, cocaína e álcool. A estabilidade e a paz que ele me passou enquanto cantava Tear in Heaven no acústico MTV simplesmente não existiram durante muito tempo em sua vida. E o que existiu? Segundo o próprio Clapton existiram excessos, porres incalculáveis, vergonhosas apresentações, medonhas composições, gravações abaixo da crítica, atitudes ridiculamente patéticas, tentativas de suicídio e muitas tentativas infrutíferas de contornar tudo aquilo. Por volta dos quarenta anos, Clapton sentia que nada em sua vida fora real; tudo lhe parecia falso. Ele conta no livro que em um dia de desespero ele não agüentou e ajoelho; ajoelhou e suplicou a ajuda de Deus.
Há mais de duas décadas que ele repete essa atitude, que considera de humildade. Há mais de duas décadas que ele está completamente sóbrio. Foi, portanto, sóbrio – e em paz – que vi pela primeira vez Eric Clapton, enquanto ele tocava Tears in Heaven.
A história do cantor e compositor inglês é um exemplo daquilo que em filosofia se chama metanóia, isto é, a visão que o sujeito tem das imperfeições da vida que leva e o vislumbre de novas possibilidades, novos caminhos a seguir que corrigiriam aquelas as tortuosidades enfrentadas.
Para alcançarmos a metanóia, precisamos de algo dificílimo: sermos honestos com nós mesmos. E quem ler a autobiografia de Eric Clapton perceberá uma honestidade realmente prodigiosa.

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