sábado, julho 26, 2008

A importância de envergonhar-se

A grande frase me extasia! A frase sintética, em forma e conteúdo, transforma meu dia porque transforma minha perspectiva sobre determinada realidade. Mas por que eu disse isso? Pois vamos à explicação, à justificativa!
Fazendo uma pesquisa para preparar uma aula, deparei-me com a seguinte manchete: “Mãe vende filha por R$15 para comprar crack no RS”. Li a frase, balbuciei um “Nossa! Que absurdo!” e a selecionei para mostrá-la em aula.
Pois muito bem. Passado certo tempo, lembrei-me da manchete e imediatamente me veio à memória a frase de Nelson Rodrigues: “Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam”. Percebi que não havia me ruborizado após a leitura da horripilante manchete.
“Ora!” – poderia alguém interpelar-me – “A criança por acaso é tua?” – “Não!” – responderia eu veementemente - “Então!” – prosseguiria o digníssimo – “Para quê ruborizar-se? Ter vergonha por quê?” – e sentenciaria – “Você não tem nada a ver com o caso!”.
Não creio poder responder a essa suposta objeção sem compreender o que Nelson Rodrigues quis dizer com a tal frase. Pois vamos lá! Meditemos!
Nós nos ruborizamos quando nos envergonhamos. E por que nos envergonhamos? Envergonhamos-nos quando algo nos avilta, quando algo nos humilha, quando algo nos compromete, quando algo nos oprime...O rubor, o rosto vermelho, é apenas uma reação física que a vergonha nos impinge. Quando Nelson Rodrigues diz só confiar naqueles que se ruborizam, ele quer dizer que confia naqueles que se sentem comprometidos, naqueles que se sentem aviltados, naqueles que se sentem humilhados e oprimidos.
Mas por quê? Ora, assim como a razão, a vergonha é algo exclusivamente humano; é prova de que reconhecemos a existência dos outros, nossos semelhantes; comprova nossos critérios morais; comprova a nossa capacidade de nos sensibilizarmos com o drama alheio e – por que não? – com nosso próprio drama.
“Nelson Rodrigues” – responderia eu ao meu suposto questionador – “Nelson Rodrigues crê somente nos que ainda se ruborizam, porque somente esses ainda não se renderam ao anti-humanismo da frieza estatística e conceitual; somente esses ainda sentem a realidade enquanto tal. E por fim, somente os que se ruborizam conseguem sentir o absurdo enquanto absurdo”.