quinta-feira, outubro 04, 2007

Pra que filosofia?

Questionar de forma desdenhosa a existência de uma forma de conhecimento que existe na história humana há milhares de anos é começar com o pé errado. E o pior é que muita gente por aí sai perguntando, errando: “Filosofia? Para que isso? De que serve?” Achar que centenas de pessoas, por milhares de anos, perderam tempo com essa tal de filosofia é, no mínimo, ignorância. E quando ignoramos (e sempre ignoramos alguma coisa) não podemos agir de forma desdenhosa, mas sim com humildade. Não por acaso o pedagogo medieval Hugo de São Vitor afirmou em seu Opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar: “A humildade é necessária ao que deseja aprender
A humildade é o princípio do aprendizado, e sobre ela, muita coisa tendo sido escrita, as três seguintes, de modo principal, dizem respeito ao estudante. A primeira é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura.A segunda é que não se envergonhe de aprender de ninguém.A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais”.
Ah! Se estes simples preceitos fossem seguidos! Simples preceitos, difícil ação; difícil ação porque o simples passa longe da soberba, do orgulho, do amor-próprio, e estes se disseminam desde que o mundo é mundo. Disseminaram-se a ponto de formar a cultura da soberba razão, isto é, o culto à ciência como sendo o único conhecimento válido. Isto se deu no século XIX por conta de – entre outros - August Comt. Ele dividiu a evolução do conhecimento humano em três etapas: a religiosa ou mitológica, a filosófica ou contemplativa, e a científica. Ora, a ciência é vista pelo positivismo como sendo a etapa mais avançada, o degrau mais alto e perfeito do conhecimento humana. O sujeito pensou isso no século XIX e já no século XI Hugo de São Vitor disse para ter humildade e para não ter como inferior nenhuma forma de conhecimento. A partir do erro positivista deu-se o endeusamento da ciência.
A ciência foi posta num altar e o mundo tornou-se utilitarista. Em um mundo assim a religião e a contemplação filosófica são inúteis; inúteis porque não servem para o controle da natureza, para as “operações práticas”. E se elas são vistas como úteis, sua utilidade é sempre negativa, sempre como maneira de controlar, de limitar, de prender, de explorar os indivíduos, nunca como forma de os libertar. É um erro pensar que a filosofia é uma “viagem”! É errado pensar que a filosofia diz coisas “nada a ver”. A filosofia é, sim, contemplação, lida com conceitos abstratos. Mas não só. Alguém aí já ouviu falar de política? Alguém aí já ouviu falar de moral? Pois bem, estes estão ou não ligados às nossas ações, às nossas práticas? Ora, eles são dois dos temas mais importantes da filosofia!
Não quero, neste espaço, tentar colocar a filosofia como sendo o único conhecimento válido. Não é isso. Nenhuma forma de conhecimento, seja a religião, seja a ciência, seja a filosofia é essencialmente melhor do que a outra. Cada uma tem sua função, seu objeto de estudo, seu método. Mas todas são (histórica e atualmente) importantes para vida humana.
Para que, portanto, a filosofia? Vamos começar do princípio: o que é filosofia? Este é um papo para um próximo artigo.